A cooperação universitária entre a China e os Países de Língua Portuguesa é uma área em crescente destaque: são cada vez mais as instituições de ensino superior chinesas com acordos de colaboração estabelecidos com congéneres lusófonas
O ensino superior é uma das áreas onde se tem registado um maior progresso na cooperação sino-lusófona. Ao longo dos últimos anos, foram vários os acordos assinados entre universidades da China e congéneres de Países de Língua Portuguesa, visando desde o estabelecimento de cursos de titulação dupla à criação em parceria de centros de pesquisa e o lançamento de projectos conjuntos de investigação.
De acordo com dados recentes do Governo do Brasil, o país e a China têm actualmente em curso cerca de 155 acordos no campo do ensino superior. As parcerias envolvem 39 universidades de ambos os países. “Queremos que a densidade da cooperação educacional com a China se alinhe à força que já alcançámos noutras áreas”, disse em Novembro de 2024 o Ministro da Educação brasileiro, Camilo Santana.
As declarações do governante foram feitas durante uma deslocação ao país sul-americano do Ministro da Educação da República Popular da China, apenas alguns dias após a visita de Estado do Presidente chinês ao Brasil. “A cooperação educacional entre o Brasil e a China dá base para a expansão da cooperação económica e comercial entre os países”, afirmou na altura Huai Jinpeng.
Durante a sua estadia, o governante chinês assinou dois memorandos de entendimento com o Ministro da Educação do Brasil. Um dos acordos pretende incentivar a cooperação entre instituições de ensino superior dos dois países, especificamente na área do ensino de português como língua estrangeira, enquanto o outro se foca no reconhecimento mútuo de certificados e diplomas de educação superior.
Entre os exemplos mais recentes de cooperação entre universidades brasileiras e chinesas está a celebração, em Novembro passado, de um acordo envolvendo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e parceiros chineses para a criação do Instituto China-Brasil de Engenheiros de Destaque. Este tem como objectivo promover o ensino e a investigação em ramos ligados à engenharia. No mesmo dia, foi inaugurado o Instituto Brasil-China de Inovação, Ciência e Tecnologia, com participação da UFRJ e da Universidade do Petróleo da China, bem como das empresas petrolíferas Petrobras, do Brasil, e da chinesa China National Offshore Oil Corporation.
Aposta do Plano de Acção 2024-2027 na coopearação do ensino
O aprofundamento da cooperação sino-lusófona na área do ensino superior é contemplado no “Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial (2024-2027)”, assinado durante a VI Conferência Ministerial do Fórum de Macau, que decorreu em Abril do ano passado. No documento, é manifestado o “grande apreço pela disponibilização e incremento de vagas de bolsas de estudo e outras medidas favoráveis à formação de quadros qualificados”, por parte do Governo Central da China e do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
O Plano de Acção advoga, em particular, medidas para “incentivar os estudantes dos Países de Língua Portuguesa a estudar no Interior da China e em Macau”. Em sentido inverso, é também proposta a criação de sistemas para que os estudantes chineses possam “cumprir períodos académicos de experiência intercultural ou imersão linguística em Países de Língua Portuguesa”.
Uma área de cooperação óbvia entre os dois lados tem sido o campo das línguas. São vários os cursos de ensino de cultura e língua chinesa que envolvem parcerias entre universidades lusófonas e chinesas. Um desses casos é a Licenciatura em Estudos Chineses da Universidade de Cabo Verde, lançada em 2021. O programa foi implementado em parceria com a Universidade de Estudos Estrangeiros de Guangdong, na China. O curso inclui um semestre de intercâmbio em Guangdong, onde os alunos têm a possibilidade de ter um contacto mais próximo com a cultura e língua locais.
As universidades de Portugal estão particularmente activas em parcerias com congéneres chinesas no campo do ensino das línguas, mas não só. Nos últimos cinco anos, a Universidade de Lisboa assinou acordos de cooperação académica, científica e cultural com uma dezena de entidades chinesas, de acordo com informação oficial da instituição portuguesa. Só em 2024, foram rubricados três memorandos do género.
A norte do país, a presença de estudantes chineses na Universidade do Porto (UP) tem vindo a registar uma forte subida, traduzida numa média de cerca de 100 alunos a frequentar, por ano, aquela instituição de ensino superior, seja para realizar um curso completo ou cumprir um período de mobilidade académica. No ano lectivo de 2023/2024, a UP recebeu 137 estudantes chineses, segundo dados oficiais, um novo máximo na história da universidade.
A cooperação com a China abrange todo o espectro universitário português. Em Julho de 2024, uma delegação da Universidade da Beira Interior (UBI) deslocou-se ao Interior da China, tendo assinado acordos de cooperação para intercâmbio de estudantes e investigadores com a Universidade de Shaoxing e a Universidade de Jiaxing. Esta última instituição de ensino superior e a UBI estão igualmente a trabalhar na oferta de cursos de licenciatura de dupla titulação no campo das engenharias.
Antes disso, em Maio, a Universidade de Coimbra, a Universidade Renmin da China e a Universidade de Macau celebraram uma parceria de cooperação académica e científica. Alguns meses depois, a Universidade Renmin assinou um acordo similar com a Universidade Agostinho Neto, a maior instituição de ensino superior de Angola.
Macau, plataforma na área do ensino superior
No contexto da cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa no campo do ensino superior, Macau desempenha um papel de relevo. O Governo da RAEM disponibiliza diversas bolsas de estudo para que jovens de países lusófonos completem a sua formação superior no território. Além disso, várias universidades locais possuem projectos de colaboração a diversos níveis com instituições congéneres de Países de Língua Portuguesa, em particular de Portugal.
A Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude da RAEM afirma ter “reforçado, de mãos dadas com as instituições de ensino superior locais, a colaboração com instituições de ensino superior do Interior da China e dos Países de Língua Portuguesa”. Segundo o organismo, “actualmente, já estão celebrados vários protocolos de cooperação com instituições de ensino superior de Portugal, no sentido de consolidar a cooperação internacional e regional na área da educação”, contribuindo para “a transformação da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau numa zona de excelência na inovação no ensino superior”.
No âmbito do papel de plataforma da RAEM, o território recebeu, em Novembro passado, o Secretário de Estado para o Ensino Superior da República de Angola, Eugénio Adolfo Alves da Silva. O responsável reuniu-se com as autoridades locais para trocar impressões sobre a promoção contínua da cooperação bilateral no domínio do ensino superior, tendo ainda visitado universidades locais para discutir oportunidades de cooperação nas áreas académica e científica.
Macau recebeu, também, em Outubro passado a terceira edição do Fórum dos Reitores das Instituições do Ensino Superior da China e dos Países de Língua Portuguesa. O evento visou contribuir para o posicionamento do território enquanto Base de Formação de Quadros Qualificados Bilingues em Chinês e Português, bem como promover o intercâmbio e a cooperação entre instituições de ensino superior da China e dos Países de Língua Portuguesa. Durante o evento, foram assinados protocolos de cooperação, respectivamente, entre a Universidade da Cidade de Macau e o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, de Portugal, bem como entre o Instituto Milénio de Macau e a Universidade Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau.
Apoio ao desenvolvimento
Uma parte significativa da cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa no campo do ensino superior tem passado pelo apoio à formação de quadros qualificados de forma a promover o desenvolvimento. Ao longo dos últimos anos, as universidades chinesas proporcionaram educação superior a centenas de estudantes provenientes de países lusófonos africanos e de Timor-Leste. Esse é o caso de São Tomé e Príncipe: em apenas oito anos após o reatamento das relações diplomáticas com a República Popular da China, mais de 200 estudantes santomenses tiveram acesso a formação superior em universidades chinesas.
As colaborações entre universidades chinesas e lusófonas para apoiar o desenvolvimento social e económico abrangem outras iniciativas. Por exemplo, em Setembro, a Universidade Nacional de Timor-Leste entrou numa parceria com a Universidade de Baoshan, focada na promoção da produção de café do país.
O apoio chinês também se tem estendido ao financiamento e construção de infra-estruturas universitárias em países lusófonos. A construção do novo campus da Universidade de Cabo Verde, inaugurado em 2021, foi financiada pela China, visando dotar a universidade pública daquele país de melhores infra-estruturas físicas e condições de funcionamento. Recentemente, o lado chinês também expressou apoio à Guiné-Bissau para a construção de um novo campus universitário no país, com capacidade para 12 mil estudantes.
Outra área da cooperação a nível do ensino superior entre a China e o mundo lusófono prende-se com a criação de Institutos Confúcio em diversas universidades de Países de Língua Portuguesa. Apresentado como equivalente ao Instituto Goethe, instituição germânica de promoção da cultura e do idioma alemães, à gaulesa Alliance Française ou ao português Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o programa Instituto Confúcio assenta, porém, num modelo diferente. Cada Instituto é usualmente fruto de cooperação entre uma universidade chinesa e uma congénere estrangeira. Exemplos no mundo lusófono incluem, entre muitos outros, a Universidade Nacional da Guiné-Equatorial, que acolhe um Instituto Confúcio desde 2016, e a Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, cujo Instituto Confúcio foi criado ainda antes, em 2012.