Situado nos trópicos equatoriais, São Tomé e Príncipe tem um clima quase perfeito para os cacaueiros, principal ingrediente do chocolate.
O cacau foi introduzido, no que era então um arquipélago desabitado, por colonos portugueses no final do século XV. No século XIX, a produção intensiva de cacau (assim chamado depois da fermentação dos grãos, no primeiro passo para a transformação em chocolate) ocorria em enormes plantações semi-industriais conhecidas como roças.
No início do século passado, São Tomé e Príncipe era o maior produtor mundial de cacau, conhecido pela excelente qualidade. Mas, em 1975, a indústria estava em declínio. Má gestão, solos esgotados, enchentes, secas e falta de investimento levaram à diminuição das colheitas. Em 1998, a queda nos preços globais levou a declarar o fim da era do cacau.
Agora, está de volta. Com um terço dos 230.000 habitantes a viver abaixo da linha da pobreza, qualquer actividade com potencial económico é essencial, especialmente depois do duro golpe sofrido pela actividade turística no país durante a pandemia da Covid-19.
António da Graça Dias, 60 anos, integra a nova vaga de produtores de cacau sustentáveis e bem-sucedidos do país.
O administrador executivo da CECAB (Cooperativa de Exportação de Cacau Biológico), a maior produtora de cacau de São Tomé e Príncipe, fundada em 2004, aposta em métodos de cultivo para recuperar plantações que, durante décadas, foram improdutivas, ou com baixo desempenho.
Além desta aposta, a cooperativa também se dedica a criar condições justas de trabalho para todos os funcionários, num desenvolvimento significativo para o arquipélago.
A cooperativa integra 37 associações de pequenos produtores de cacau orgânico, e é “considerada um exemplo no sector”, disse Graça Dias, antigo Ministro da Agricultura, Pescas e Desenvolvimento que actualmente é também professor universitário. “Fomos convidados a promover iniciativas de consultoria no Gabão, no Togo, na Libéria e a partilhar as nossas experiências com cooperativas na Colômbia, no Equador e no Peru.”
Actualmente, a CECAB fornece um único parceiro: a Kaoka, uma empresa francesa de chocolates que só compra cacau orgânico de origem ética. Como a cooperativa produz mais do que a Kaoka pode comprar, Dias decidiu criar uma produtora de chocolate ‘bean-to-bar’ totalmente local.
A nova fábrica de chocolate foi construída em Guadalupe, 12 quilómetros a norte da capital, com o apoio do Governo e financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento, no âmbito do Projecto de Reabilitação de Infraestruturas para apoiar o quadro de segurança alimentar.
Trata-se de um grande investimento para o país: o projecto vai custar mais de 3,83 milhões de patacas e a cooperativa vai contribuir com cerca de um quinto do total, prevendo-se que a nova fábrica produza, anualmente, 10 toneladas de chocolate.
Além de fornecer a Kaoka, a CECAB quer vender chocolate apenas para o mercado interno, mas, a longo prazo, quer entrar nos mercados globais.
O desafio implica encontrar compradores para as barras de chocolate da cooperativa, dentro e fora do país, exigindo o desenvolvimento de ferramentas de marketing.
Outro desafio são os novos padrões da União Europeia, a entrar em vigor em 2024 e que impedem cooperativas com mais de 2.000 membros de obter certificação de produtor orgânico. Com 3.100 agricultores, a CECAB terá que se dividir para exportar para a Europa.
No arquipélago, há mais três cooperativas de cacau: a Sociedade Santomense de Cacau (Satocao, Lda), a Cooperativa de Exportação de Cacau de Qualidade (CECAQ-11) e a Diogo Vaz. As quatro cooperativas têm uma produção combinada de cacau de cerca de 3.000 toneladas anuais.
Em 2021, 1.650 toneladas foram produzidas pela CECAB, cerca de 40% mais que em 2020. A produção de cacau é sujeita a flutuações, principalmente devido aos níveis de chuva, pragas e doenças. Mas as flutuações são mais acentuadas quando a produção é de pequena escala e a capacidade de investimento dos produtores é baixa, como em São Tomé e Príncipe.
Este é um dos principais motivos pelos quais a produção de cacau actual é apenas uma fracção do que era nos tempos coloniais, quando as enormes roças podiam produzir cerca de 35 mil toneladas de cacau por ano. Voltar a esses níveis exigiria um investimento significativo, questão politicamente difícil, já que a maioria das antigas roças foi ocupada por famílias que usam a terra para agricultura de subsistência.
Além da CEBAC, que não é a primeira chocolateira das ilhas, a marca Corallo aposta, desde 2000, no mercado do chocolate.
O engenheiro agrónomo italiano Claudio Corallo usa cacau produzido na sua própria plantação para fazer produtos de chocolate ‘premium’. A loja de São Tomé funciona há mais de uma década e é popular entre os turistas. Os chocolates Corallo também são vendidos ‘on-line’ em todo o mundo e também numa loja em Lisboa, no Príncipe Real.
Recentemente, investidores franceses criaram a Diogo Vaz, marca de chocolate orgânico produzido localmente numa das roças históricas das ilhas e com a principal loja desta cooperativa em São Tomé. O director técnico da Diogo Vaz, o francês Olivier Casenave ganhou o prémio de Melhor Tablet do Mundo 2016 no concurso Salon du Chocolat, em Paris.
A agricultura representa 20 por cento do produto interno bruto de São Tomé e Príncipe, 80 por cento receitas de exportação e mais de 60 por cento do emprego. Além do cacau, as ilhas cultivam pimenta, baunilha, coco e óleo de palma de alta qualidade. Embora o cacau tenha sido tradicionalmente a maior agroexportação, o óleo de palma ultrapassou o cacau em 2021.
As exportações agrícolas foram uma tábua de salvação durante a pandemia, que interrompeu o fluxo habitual de turistas em busca de praias paradisíacas.
Com a reabertura das fronteiras, o dólar turístico vai ajudar a desenvolver a indústria do chocolate no país.
Os turistas podem visitar as famosas roças e comprar uma variedade crescente de produtos de chocolate caseiros como lembranças de viagem.
Um doce emblemático da mudança do país para uma nova era do comércio global.