“O Fórum de Macau tem demonstrado capacidade”
O novo Secretário-Geral Adjunto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau indicado pelos Países de Língua Portuguesa, Danilo Afonso Henriques, espera contribuir para o aprofundamento das relações económicas e comerciais sino-lusófonas. Doutorado em gestão de turismo internacional, o responsável desempenhou as funções de Delegado de Timor-Leste junto do Fórum de Macau de 2014 a 2023: Danilo Afonso Henriques espera que essa experiência possa agora ajudá-lo nas novas funções.
Desde Março que é Secretário-Geral Adjunto do Fórum de Macau. Como vê este voto de confiança dos países participantes e como encara esta nova fase do seu trabalho junto do Fórum de Macau?
É uma grande honra e privilégio ser nomeado como oitavo Secretário-Geral Adjunto do Fórum de Macau designado pelos Países de Língua Portuguesa, visto que, por sinal, o número oito é associado na cultura chinesa a algo auspicioso. Junto-me a uma extensa lista de diplomatas de carreira com vasta experiência que contribuíram de diferentes formas para o sucesso do Secretariado Permanente do Fórum de Macau. Cumpri três mandatos como Delegado de Timor-Leste e trabalhei com três Secretários-Gerais Adjuntos designados pelos Países de Língua Portuguesa, com os quais adquiri valiosa experiência, que pretendo aplicar no exercício das minhas novas funções. A minha principal preocupação, neste momento, é identificar as prioridades dentro da instituição, de forma a melhor contribuir para a eficácia e sucesso do Secretariado Permanente. A minha nomeação coloca o Secretariado Permanente diante de uma feliz coincidência, pois, do ponto de vista histórico, é a primeira vez que um antigo Delegado de um país participante é designado para o cargo de Secretário-Geral Adjunto.
Quais são os principais desafios que espera encontrar e as prioridades na sua agenda?
O Secretariado Permanente está a definir um novo curso para as próximas duas décadas. Embora o meu papel nestes esforços seja limitado aos próximos três anos, é crucial que o Fórum de Macau aproveite os avanços realizados bilateralmente, como a recente elevação das relações entre a China e Timor-Leste, bem como entre a China e Angola, para o nível de “Parcerias Estratégicas Abrangentes”. Além disso, é essencial capitalizar os focos actuais dos diferentes países participantes, como, por exemplo, de Portugal na denominada “economia azul” ou dos membros africanos na facilitação do acesso dos seus produtos ao mercado chinês.
O Secretariado Permanente tem a responsabilidade de promover as prioridades dos Países de Língua Portuguesa junto da China, utilizando a plataforma histórico-cultural-económica de Macau. Isso inclui dar especial atenção aos desenvolvimentos dentro da poderosa economia chinesa, como o progresso do projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e o seu vasto potencial, juntamente com o desenvolvimento da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin.
Foi durante quase 10 anos Delegado de Timor-Leste junto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau. Como é que esta experiência o poderá ajudar no seu novo posto?
Tendo desempenhado três mandatos na qualidade de Delegado de Timor-Leste junto do Secretariado Permanente, tenho plena consciência dos desafios e oportunidades que se colocam aos Delegados dos Países de Língua Portuguesa. Estou também atento às possibilidades de melhoria nas funções internas do Secretariado Permanente, bem como de melhoria das relações entre o Secretariado Permanente e as instituições públicas e privadas de Macau e do Interior da China. Naturalmente, utilizarei a minha experiência adquirida para melhor desempenhar as minhas funções como Secretário-Geral Adjunto designado pelos Países de Língua Portuguesa.
Além disso, pretendo potencializar as relações profissionais estabelecidas ao longo do tempo com os embaixadores e chefes das missões diplomáticas em Pequim dos países participantes no Fórum de Macau, assim como com os Pontos Focais dos países lusófonos, a fim de fortalecer a colaboração e a coordenação entre os Países de Língua Portuguesa. O objectivo é facilitar a interacção tanto dentro do bloco como com a China e a região de Macau, em particular.
O Fórum de Macau celebrou recentemente o seu 20.º aniversário. Como vê a evolução da instituição ao longo destas duas décadas?
A criação do Fórum de Macau, há mais de duas décadas, foi uma missão visionária e nobre, que contou com o impulso do Governo da República Popular da China e o apoio dos países lusófonos, que se integraram desde o início nesta plataforma. Nos últimos 20 anos, diversas iniciativas foram realizadas, começando desde logo pela promoção das oportunidades existentes nas economias dos países participantes; a formação de recursos humanos dos Países de Língua Portuguesa em acções em Macau e no Interior da China; e o estabelecimento de vínculos institucionais com instituições financeiras, de comunicação social e de turismo. Além disso, foi realizada uma avaliação estratégica e reflexão sobre o papel desta plataforma por ocasião dos 15.º e 20.º aniversários do Fórum de Macau. Por outro lado, na sequência de desafios como a pandemia global da COVID-19, observou-se uma rápida mobilização de recursos e o lançamento de várias iniciativas através do Fórum de Macau, de forma a corresponder às necessidades dos países participantes.
Entretanto, temos assistido ao desenvolvimento de novas iniciativas, como a introdução de novas áreas de desenvolvimento no âmbito dos Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial aprovados durante as Conferências Ministeriais do Fórum de Macau. Tal inclui a cooperação em medicina tradicional chinesa, bem como projectos com vista à criação de estudos relacionados com os Países de Língua Portuguesa, nomeadamente através de unidades de investigação com sede em Macau.
Quais os principais benefícios deste mecanismo de cooperação? Que mais pode ser feito?
Para começar, é preciso dizer que este mecanismo complementar de cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa é único em vários aspectos, oferecendo várias oportunidades. É importante dizer que a Região Administrativa Especial de Macau possui um estatuto privilegiado no seio desta plataforma, a qual se destaca pela sua abordagem apolítica e focada em questões económicas e comerciais. Poucos são os exemplos a nível global em que os membros de organizações semelhantes tenham tal facilidade de interacção. Isso traduz-se na possibilidade de uma maior comunicação com entidades empresariais de Macau e do sul do Interior da China, bem como na realização de várias iniciativas de divulgação por parte do Secretariado Permanente, envolvendo autoridades governamentais, organizações de promoção comercial e entidades empresariais, entre outros.
Grandes expectativas sempre existiram e continuarão a existir em relação ao Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, uma iniciativa estabelecida pela China há mais de uma década. Desde a criação do fundo em 2013, foram realizados investimentos em projectos nas maiores economias lusófonas, como o Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, que demonstraram maior capacidade para absorver e executar os fundos de investimento disponibilizados. Com a nova abordagem do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento, prevê-se financiar projectos em países participantes do Fórum de Macau com economias de menor dimensão. A adopção de uma estratégia flexível para unir diferentes partes na concretização de projectos através deste fundo poderia gerar resultados positivos, incluindo modelos de cooperação multilateral envolvendo também Macau.
Para além do investimento e do comércio, que outras áreas devem receber especial atenção no trabalho desenvolvido pelo Fórum de Macau?
Enquanto mecanismo e plataforma de cooperação multilateral, focado desde a sua criação na cooperação comercial e económica, o Fórum de Macau tem demonstrado capacidade, expandindo a sua actividade a outras áreas. Alguns destaques incluem acções e iniciativas recentes no âmbito da COVID-19, tais como a prestação de assistência material e o estabelecimento de um Centro de Intercâmbio de Prevenção de Epidemias China-Países de Língua Portuguesa em Macau. A existência do Fórum de Macau tem fortalecido e aprofundado os laços de cooperação entre os Países de Língua Portuguesa e as autoridades de viagens e turismo, assim como os meios de comunicação, no Interior da China e na região de Macau. Este intercâmbio de conhecimentos culturais e outros conteúdos facilita uma maior compreensão cultural entre as pessoas. A Semana Cultural da China e dos Países de Língua Portuguesa, que se realiza anualmente em Macau, é um claro testemunho concreto deste princípio e mecanismo de envolvimento.
Além disso, por meio dos Planos de Acção acordados e adoptados consensualmente em cada uma das Conferências Ministeriais – a sexta edição ocorreu em Macau em Abril –, os países participantes têm vindo a ampliar progressivamente o escopo das áreas de cooperação. Certas áreas de cooperação, como a agricultura, saúde e protecção ambiental, abordam questões vitais para os países participantes, como a produção alimentar sustentável, segurança alimentar e desafios relacionados com as mudanças climáticas globais. Estas áreas são de crescente importância a nível mundial e estão alinhadas com os princípios internacionais dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Estes exemplos ilustram a flexibilidade do Fórum de Macau enquanto mecanismo de cooperação multilateral para se adaptar às novas necessidades e prioridades dos países participantes, tanto a nível individual quanto colectivo.
Como referiu, realizou-se em Abril a 6.ª Conferência Ministerial. Qual a importância destas conferências e dos Planos de Acção para o desenvolvimento da cooperação multilateral no seio do Fórum de Macau?
Como mencionado anteriormente, ao longo dos anos de existência e desenvolvimento do Fórum de Macau, as áreas de cooperação cresceram não apenas em quantidade, mas também em complexidade e diversidade. A cada Conferência Ministerial trienal, os países participantes chegam a acordos consensuais sobre as áreas de envolvimento, considerando os planos estratégicos individuais de cada Estado juntamente com as mudanças económicas e de desenvolvimento globais. A inclusão de novas áreas de cooperação – como a economia digital, a economia azul, a cooperação envolvendo pequenas e médias empresas e a cooperação tecnológica – é exemplo disso, fruto de mudanças no ambiente geral e de prioridades em constante evolução.
As Conferências Ministeriais desempenham um papel vital ao orientar o programa de actividades anual do Secretariado Permanente durante os três anos seguintes, ao mesmo tempo que identificam potenciais áreas de cooperação e de inovação no âmbito da actividade do Fórum de Macau.
No contexto da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, como podem os Países de Língua Portuguesa cooperar com a China de forma a promover benefícios mútuos?
Ao longo dos anos, tanto o volume do comércio como os investimentos estrangeiros entre a China e os parceiros envolvidos na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” têm vindo a aumentar progressivamente. A conclusão de importantes projectos de infra-estruturas nos países parceiros tem impulsionado a conectividade física entre Estados. Um exemplo claro é o porto de águas profundas de Tibar, nos arredores de Díli, que foi construído por uma empresa estatal chinesa.
Outro exemplo de iniciativas frutíferas resultantes dessa cooperação foi o fortalecimento da colaboração em conhecimento especializado em vacinas, no âmbito da COVID-19, nomeadamente no campo da assistência técnica, produção conjunta e transferência de tecnologia. Isso foi conseguido por meio da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e de uma iniciativa de parceria de cooperação em vacinas entre a China e 31 outros países. Tal como ocorreu com a pandemia, as questões do novo século, como as alterações climáticas, trazem consigo tanto novos desafios como oportunidades.
A iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” oferece uma oportunidade para os países explorarem soluções benéficas para os problemas urgentes do mundo em desenvolvimento, especialmente no contexto de desenvolvimento Sul-Sul. Isso é feito por meio de abordagens que lidam com desafios emergentes, como a conectividade física e digital, mudanças climáticas globais e obstáculos tecnológicos e na área do “know-how”.