A troca de experiências e a capacitação tecnológica entre a China e os países lusófonos são elementos-chave para acelerar o desenvolvimento sustentável
O sector da economia azul é uma área que merece cada vez mais especial atenção no âmbito das relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A cooperação neste domínio ganhou relevância ao ser destacada no Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial (2024-2027), assinado em Abril de 2024, aquando da 6.ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau.
Tendo como objectivo implementar as directrizes do Plano de Acção, uma delegação do Secretariado Permanente do Fórum de Macau, chefiada pela Secretária-Geral Adjunta, Xie Ying, deslocou-se, entre 14 e 17 de Novembro, ao Município de Fuzhou, na Província de Fujian, para participar na Conferência Mundial de Equipamentos Marítimos 2024 e visitar algumas empresas locais para investigação e intercâmbio.
Sob o lema “Levando os sonhos da humanidade a novos horizontes”, a Conferência Mundial de Equipamentos Marítimos abrangeu várias actividades, como sessões temáticas e bolsas de contacto. Com o foco na inovação e na transformação da cadeia industrial, o evento visou promover o desenvolvimento sustentável e inteligente do sector.
A delegação do Secretariado Permanente participou na cerimónia de abertura e numa sessão temática sobre os oceanos, organizada pelo Comité de Cooperação Marítima do Século XXI.
Em Fuzhou, a delegação também efectuou uma série de visitas de intercâmbio com algumas empresas locais, nomeadamente, o Parque Industrial de Hongdong Fishery Co., Ltd.; o Laboratório de Inovação Shenhai; a empresa Fujian Jingfu Ocean Fishery Development Co., Ltd.; a companhia Guanwu Ocean Exploitation Co., Ltd. Lianjiang, Fujian; e a Fujian Mawei Shipbuilding Co., Ltd.
Nos vários encontros, foram discutidas oportunidades de cooperação nos sectores da economia azul entre a China e os Países de Língua Portuguesa, tirando proveito do papel de Macau enquanto plataforma sino-lusófona.
Os desafios e oportunidades da economia azul, bem como as estratégias de desenvolvimento e inovação neste sector, têm vindo a ganhar importância tendo em conta os vastos recursos marítimos que a China e os países lusófonos possuem.
Na 6.ª Conferência Ministerial, vários representantes dos Países de Língua Portuguesa referiram a necessidade de se investir mais neste sector, criando modelos de gestão sustentáveis e de apoio ao desenvolvimento económico.
Potenciar os oceanos
Para o Director do Instituto de Ciências e Ambiente da Universidade de São José (USJ), David Gonçalves, a necessidade de superar “desafios que a humanidade enfrenta nas próximas décadas exige uma acção coordenada e estratégica em diversas áreas fundamentais”.
Nesse sentido, adianta, a “transição para energias renováveis e o cumprimento das metas de redução de emissões de carbono são pilares desta transformação”.
“Os oceanos oferecem um vasto potencial para o desenvolvimento de energias limpas, como a energia eólica offshore, ou a energia das ondas e das marés, que podem desempenhar um papel decisivo nesta transição”, argumenta o académico.
Além disso, acrescenta, a “protecção de ecossistemas marinhos que capturam e armazenam carbono – como os mangais e os recifes de corais – são exemplos de como os oceanos podem contribuir para uma redução significativa das emissões globais”.
Segundo David Gonçalves, a segurança alimentar “é outro desafio vital, uma vez que os oceanos são uma das principais fontes de proteína para milhões de pessoas em todo o mundo”.
“Promover o desenvolvimento de aquacultura responsável é essencial para garantir que os recursos marinhos continuam a ser uma fonte de alimentação saudável e acessível”, sublinha.
Várias nações, incluindo a China e os países lusófonos, começaram a apostar no sector da economia azul – a par da economia verde – com vista a valorizar e potenciar os aspectos naturais, bem como estimular uma nova fase no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável.
Para David Gonçalves, a economia azul pode “gerar novas oportunidades em sectores como o turismo sustentável, a biotecnologia marinha, as energias renováveis, ou a aquacultura”.
“Estes sectores, quando geridos de forma sustentável, têm o potencial de criar milhões de empregos e promover o desenvolvimento económico, sem comprometer os recursos marinhos”, frisa David Gonçalves, destacando que a expansão da economia azul “não é apenas uma oportunidade, mas uma necessidade para enfrentar os desafios do futuro de forma integrada e sustentável”.
Desafios e oportunidades
O académico destaca que o “principal desafio”, actualmente, está relacionado com uma “falha global em cumprir as metas de preservação dos recursos e ecossistemas marinhos”. Parte da complexidade deste desafio, realça, “reside na ausência de um acordo global eficaz para a gestão deste recurso comum”.
E acrescenta: “Para enfrentar essas ameaças de forma eficaz, é imperativo que os países colaborem para criar políticas de protecção que sejam vinculativas e capazes de assegurar uma exploração responsável dos oceanos, promovendo o equilíbrio entre desenvolvimento económico e conservação ambiental”.
O facto de a área marinha total dos Países de Língua Portuguesa ser “vasta” e albergar “recursos naturais significativos” confere-lhes “um enorme potencial económico”, reconhece David Gonçalves. “No entanto, as valências de cada país na economia azul variam de acordo com factores como localização, dimensão, ecossistemas, contexto geográfico e histórico, entre outros, o que implica que as áreas em foco difiram de país para país”, alerta.
De acordo com o académico, sectores como o turismo, a aquacultura, a produção de energia renovável, a biotecnologia e a engenharia de materiais já estão a ser explorados e têm um enorme potencial de crescimento. “O ponto central é garantir que essa exploração seja sustentável, e a rede lusófona pode ser uma excelente plataforma de cooperação para promover este entendimento”, destaca.
Para David Gonçalves, a troca de experiências e a capacitação tecnológica entre os países lusófonos, no que diz respeito à exploração e gestão dos recursos oceânicos, “pode ser determinante para acelerar o desenvolvimento da economia azul de forma equilibrada e responsável”.
Como nações costeiras, a China e os países lusófonos “partilham desafios comuns” no que respeita à preservação dos ecossistemas marinhos e à exploração sustentável dos seus recursos, salienta o Director do Instituto de Ciências e Ambiente da USJ.
Nesse contexto, frisa, as parcerias entre a China e os países lusófonos no âmbito da economia azul podem ser “extremamente vantajosas”, especialmente em domínios como a cooperação na área da governança e da tecnologia marinha, na capacitação e transferência de conhecimento e no desenvolvimento conjunto de indústrias sustentáveis.
Papel de Macau
David Gonçalves destaca que a “adopção de políticas eficazes para a protecção dos oceanos é fundamental e deve ser o ponto de partida para qualquer exploração económica”. A cooperação sino-lusófona neste domínio “pode ser especialmente benéfica, uma vez que diferentes países se encontram em fases distintas de desenvolvimento de políticas de governança marinha”.
Por outro lado, acrescenta, a China dispõe de recursos tecnológicos avançados para a investigação e exploração dos oceanos. “A partilha destas tecnologias com os países lusófonos pode acelerar o desenvolvimento da economia azul, permitindo-lhes explorar os seus recursos marinhos de forma mais eficaz e sustentável”, explica.
A par da tecnologia, “é igualmente importante investir na capacitação e formação de recursos humanos nos países lusófonos e na China na área da economia azul, de modo a garantir que estes estão preparados para gerir e utilizar devidamente e de forma sustentável os recursos marinhos”, sublinha.
Segundo o académico, Macau “poderá e deverá desempenhar um papel fundamental enquanto plataforma de cooperação entre os países lusófonos e a China” no sector da economia azul.
Em 2023, foi criado o primeiro laboratório conjunto para a investigação dos oceanos entre a China e Portugal, que inclui parceiros de Macau, nomeadamente o Instituto de Ciências e Ambiente da USJ, bem como do Interior da China e de Portugal.
“O laboratório conjunto pode servir como um catalisador para a expansão desta colaboração, abrindo caminho para novas parcerias no estudo e exploração sustentável dos oceanos”, salienta David Gonçalves.
“Macau, com a sua ligação histórica e cultural ao mundo lusófono e o seu papel estratégico dentro da China, está idealmente posicionada para consolidar este papel de ponte, promovendo uma cooperação sólida entre a China e os países lusófonos na investigação e na economia azul”, remata o responsável.